O Controle Judicial sobre a Atividade Normativa das Agências Reguladoras: Entre a Teoria e a Realidade Forense
A estrutura do Estado contemporâneo exige uma atuação especializada para lidar com setores complexos da economia. É neste cenário que se inserem as agências reguladoras, desenhadas institucionalmente para deter o conhecimento específico sobre setores como energia, telecomunicações e saúde. No entanto, a prática jurídica nos mostra que a atuação destes entes não ocorre em um vácuo de neutralidade científica.
O advogado que atua nesta área deve compreender não apenas o desenho idealizado da autonomia técnica, mas também os riscos reais de captura regulatória e politização que podem desvirtuar a função normativa dessas autarquias.
A Tensão entre Discricionariedade Técnica e Arbitrariedade
Teoricamente, o poder normativo das agências baseia-se na discricionariedade técnica. Diferente da discricionariedade comum (baseada em conveniência e oportunidade), esta pauta-se em critérios científicos e econômicos.
Contudo, é fundamental um olhar crítico: muitas vezes, decisões políticas ou econômicas são revestidas de uma roupagem técnica para blindá-las do controle judicial. O fenômeno da captura regulatória — onde a agência passa a atuar no interesse dos regulados ou do governo, em detrimento do interesse público — é uma realidade que desafia a doutrina da deferência.
Para o operador do Direito, o desafio é identificar quando a “técnica” é usada como escudo para arbitrariedades. A compreensão profunda sobre a natureza jurídica destas autarquias e os limites reais de sua atuação é vital. Para se aprofundar na estrutura e no funcionamento da administração pública, a Pós-Graduação Prática em Direito Administrativo oferece o arcabouço teórico e prático necessário para navegar por estas questões complexas.
Limites da Sindicabilidade Judicial: O Controle de Veracidade
O mantra de que “o Judiciário não deve adentrar o mérito administrativo” deve ser interpretado com cautela no Direito Regulatório. Embora o juiz não deva substituir a metodologia técnica da agência pela sua própria convicção, o controle de legalidade moderno exige a verificação da veracidade dos motivos.
Se a premissa fática adotada pela agência estiver equivocada, ou se os estudos técnicos forem inconsistentes, a decisão torna-se ilegal. O controle judicial avança, portanto, sobre:
- A consistência lógica da motivação;
- A aderência da norma aos dados da realidade (controle de fatos);
- A observância do devido processo legal substantivo.
A intervenção judicial não ocorre para dizer qual é a “melhor regra”, mas para anular a regra que se baseia em premissas falsas ou em desvio de finalidade, garantindo que a discricionariedade não se confunda com impunidade administrativa.
A Evolução da Doutrina da Deferência Judicial
Historicamente, importou-se do direito norte-americano (caso Chevron) a ideia de deferência judicial, onde tribunais deveriam respeitar a interpretação técnica da agência. No entanto, é preciso atualizar essa visão. Nos EUA, a doutrina Chevron foi recentemente superada (caso Loper Bright, 2024), sinalizando um retorno ao controle judicial mais estrito sobre a interpretação da lei.
No Brasil, o STF oscila. Embora haja uma tendência de respeito às escolhas técnicas (como visto em casos da ANVISA), a deferência não é um cheque em branco. Ela pressupõe que a agência tenha agido com rigor científico e imparcialidade. Quando há indícios de captura ou falha técnica grosseira, a postura de autocontenção (judicial self-restraint) deve ceder lugar à correção judicial para proteção de direitos fundamentais.
A Análise de Impacto Regulatório (AIR) sob a Lupa Forense
A Lei nº 13.848/2019 (Lei Geral das Agências) tornou obrigatória a Análise de Impacto Regulatório (AIR). Na teoria, uma AIR robusta cria uma presunção de legitimidade. Na prática advocatícia, contudo, sabe-se que muitas AIRs são documentos pro forma, elaborados apenas para justificar uma decisão já tomada (viés de confirmação).
O papel do advogado litigante não é se intimidar com a existência da AIR, mas auditá-la. O controle judicial qualificado verifica se a AIR considerou alternativas reais e se os dados utilizados são fidedignos. A ausência de uma AIR séria ou a sua deficiência metodológica são vícios formais graves que podem levar à anulação da norma.
O Consequencialismo da LINDB: Uma Faca de Dois Gumes
A alteração na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) introduziu o consequencialismo (arts. 20 e 21), obrigando o julgador a considerar as consequências práticas da decisão.
Embora idealizado para evitar o ativismo judicial impensado, o argumento consequencialista é uma ferramenta de dupla via:
- Pode ser usado para manter normas ilegais sob o pretexto de “segurança jurídica” e “estabilidade do setor”;
- Pode ser usado pelos advogados para demonstrar que a manutenção de uma regulação defeituosa trará prejuízos sistêmicos maiores do que sua anulação.
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O Due Process of Rulemaking: A Batalha Procedimental
Por fim, um aspecto crucial muitas vezes negligenciado é o devido processo legal na formação da norma. As consultas públicas não podem ser mero teatro. Se a agência abre consulta, mas ignora sistematicamente as contribuições técnicas do setor sem a devida motivação (accountability), há um vício procedimental atacável.
O Judiciário tem sido mais receptivo a anular normas por falhas no processo de sua formação (falta de contraditório efetivo, ausência de resposta às críticas) do que por discordância direta do conteúdo técnico.
Considerações Finais
A relação entre Judiciário e agências reguladoras é dinâmica e tensa. Não vivemos em um mundo de idealismo técnico, mas em uma realidade de interesses conflitantes onde a regulação impacta bilhões em investimentos e direitos essenciais.
Para o advogado, a atuação exige ir além da dogmática tradicional. É preciso saber desconstruir a “aparência de técnica” quando ela esconde arbitrariedade, auditar os estudos de impacto e utilizar o consequencialismo da LINDB de forma estratégica. O controle judicial, quando bem fundamentado, não é inimigo da regulação, mas seu garantidor de legitimidade democrática.
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Acesse a lei relacionada em Lei nº 13.848, de 25 de junho de 2019
Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-06/judiciario-nao-deve-analisar-regras-de-orgaos-reguladores-diz-tj-sp/.